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O Palmeiras está na semifinal do Brasileirão depois de eliminar o Flamengo por 3 x 0 no jogo da volta. O time carioca havia vencido o jogo da ida por 3 x 2 e levava para Barueri uma vantagem importante. Mas aí a diretoria do Flamengo despachou suas atletas de ônibus para São Paulo na sexta-feira, numa atitude de visível desrespeito e desprezo, e o resultado foi a derrota inconteste. É sempre importante pontuar que esse tipo de decisão executiva não é motivada por desprezo ao futebol feminino, afinal, os dirigentes amam esse jogo chamado futebol. Esse tipo de decisão é motivada pelo desprezo a mulheres. Ponto. O Flamengo teria, obviamente, dinheiro para colocar o elenco e a comissão em um avião, numa viagem de 45 minutos e não de sete horas. Mas preferiu a via Dutra. A denúncia foi feita pela jornalista Renata Mendonça, do site Dibradoras e do SporTv. Não há argumentos que possam justificar a logística de mandar as atletas de ônibus em viagens longas. Mas há inúmeros argumentos que elaboram como o desprezo por mulheres se manifesta na vida e no jogo. O resultado teria sido diferente se as atletas viajassem de avião, pudessem desfrutar de uma noite tranquila de sono, treinassem mais adequadamente, descansassem mais decentemente? Provavelmente, mas não temos como provar, apenas como suspeitar. O que também precisa ser analisado é o peso emocional de saber que sua diretoria de fato não está nem aí para você e para a partida eliminatória. Para o jogo de ida, em Volta Redonda, o Palmeiras foi de ônibus desde São Paulo, o que se justifica dado que é uma viagem de quatro horas e que um avião levaria o time ao Rio e depois seriam mais duas horas de estrada até Volta Redonda. A CBF paga por viagens de ônibus para o feminino e cabe aos clubes investirem se quiserem mandar de avião. Para um jogo eliminatório em Barueri, a decisão de encarar sete horas de estrada não se justifica. Mas a CBF deve ser igualmente responsabilizada. Precisa investir mais - inclusive em transporte - promover mais, exigir mais dos clubes e dos demais atores. Precisa se colocar nesse jogo como força central na organização de um esporte que está apenas começando a crescer. A CBF faz o mínimo e parece querer aplausos por isso. Não adianta, por exemplo, deixar na mão de quem comprou os direitos de transmissão a vontade de decidir o que será transmitido e o que não será. A CBF deve compreender que o futebol feminino está no começo do seu desenvolvimento e que, nesse estágio, dar autonomia a quem comprou os direitos de transmissão não vai desenvolver o esporte porque a detentora dos direitos vai sempre optar por fazer o que é melhor para si e não o que é melhor para o esporte. O que aconteceu com o Vitória há alguns anos deveria ser usado como exemplo para mudar políticas de distribuição de dinheiro. Em 2020, o presidente do Vitória, Paulo Carneiro, não repassou ao time feminino o valor de R$ 120 mil dado pela CBF aos times que disputaram a Série A do Brasileiro. Na época o dirigente disse à Rádio Sociedade que faria com o dinheiro o que bem quisesse e assumiria a responsabilidade pelos atos. E ficou por isso mesmo. Em 2022, o Ceará masculino caiu para a série B e o time feminino foi desmontado por questões de ajustes de custos. O time feminino teve um 2022 espetacular e foi obrigado a pagar a conta do masculino. No ano seguinte, só com atletas muito jovens e inexperientes, foi goleado por 10 x 0 pelo Flamengo no começo da temporada. Todo o planejamento do feminino foi interrompido pelo fracasso do masculino. O Ceará feminino desandou e nunca mais retomou o protagonismo. Onde estava a CBF para estabelecer regras contra esse tipo de atitude? É preciso também criar uma política de preço de ingresso que seja eficiente para encher os estádios, calendário decente e unificado, premiações pagas em dia. Clubes e Confederação terão que se desconstruir da misoginia internalizada para desenvolver o esporte. O Flamengo é uma das instituições que tem um homem como diretor do futebol feminino, alguém que, segundo Renata Mendonça, não acredita que o time feminino seja capaz de colocar mais de 10 mil pessoas nas arquibancadas. É desconhecer por completo a força dessa camisa. E, claro, falar a partir de um lugar de muito machismo. Imaginem se o Flamengo decidisse investir pesado no seu time feminino. Imaginem mobilizar a torcida e fazer dessa camisa a mais forte do esporte? Haveria espaço e muito retorno, naturalmente. Em Barueri, pelas quartas de final, o Palmeiras fez um jogo mais ofensivo e ganhou de forma até tranquila. Tainá Maranhão está em fase espetacular e o time paulista foi capaz de desarticular as jogadas mais perigosas do Flamengo, quase todas envolvendo Cristiane. Agora está na semifinal e vai encarar o bom time do Cruzeiro. O Flamengo volta para casa do mesmo jeito que foi a São Paulo. A eliminação rubro-negra deve ter deixado os executivos do futebol que colaboraram com ela bastante satisfeitos. Na outra partida do dia pelas quartas de final, entre Cruzeiro e Bragantino, Gabigol estava no estádio para apoiar as cruzeirenses. É bacana ver um atleta tão adorado oferecer esse tipo de incentivo. Ajuda a desconstruir preconceitos. Deu Cruzeiro, o time que joga o melhor futebol do Brasil hoje: dois a zero. As semis ficaram assim: Corinthians x São Paulo e Palmeiras x Cruzeiro.